ENTREVISTA com Mário Persona
Mario Persona - As pessoas não estão com falta de tempo, mas com excesso de opções. Há 30 anos tínhamos quatro ou cinco canais de TV, hoje temos quarenta ou cinqüenta e gastamos mais tempo navegando entre eles do que assistindo. Uma família tinha duas ou três dezenas de discos de vinil, com umas quatorze músicas em cada um. Hoje temos dez vezes isso em apenas um CD em formato MP3 ou muito mais nas memórias de computadores, iPods e dispositivos semelhantes. O número de opções de dispositivos de comunicação também era muito menor e ficava restrito ao rádio, TV e telefone ou fax.
Outra mudança tremenda que ocorreu foi na acessibilidade. Há 30 anos alguém só conseguia falar comigo pessoalmente ou por telefone, caso eu estivesse próximo a um aparelho. Hoje as pessoas conseguem me encontrar e se comunicar comigo a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer lugar do planeta. Celulares, e-mails, messengers - há tantos canais de comunicação que até o banheiro pode se transformar em lugar de trabalho e uma teleconferência pode incluir alguém em algum lugar do mundo sentado em uma privada, desde que se regule a câmera para pegar da cintura para cima.
Em suma, temos excesso de acessos - o número de opções cresceu - e acessos em excesso - o número de pessoas que consegue nos acessar também cresceu. Além disso, a sociedade da informação criou também as pegadas virtuais. Por onde quer que eu ande, vou deixando pegadas ou referências que permitem que outras pessoas me encontrem e consumam um pouco mais de meu tempo com ofertas, pedidos etc.
A necessidade que a própria sociedade cria em nós de nos mantermos informados sobre tudo, também gera um consumo exagerado de tempo em atividades sem grande importância para nossa vida. Saber de coisas que podem mudar daqui a dois minutos ou que não têm qualquer relevância pode consumir tempo precioso. O problema é que faz parte da natureza do ser humano ser curioso, foi por isso que ele conseguiu se desenvolver cultural e tecnologicamente.
Mas essa curiosidade, que funcionava bem na época pré-tecnologia da informação, pode causar problemas hoje. Por exemplo, se antes eu precisava comprar uma enciclopédia, e era capaz de lê-la inteira para me considerar alguém bem informado, hoje tenho ao alcance dos dedos mais de 20 bilhões de páginas cadastradas no Google, que só cadastra uma parcela do que existe disponível na Internet. Se eu tentar ler uma página dessas por minuto, daqui a 40 mil anos, que é o tempo que levarei para ler, certamente o número de páginas terá aumentado de forma astronômica. Qualquer pessoa pode ter acesso a toda informação que desejar, mas nenhuma pessoa consegue, pois não fomos criados para o contexto no qual agora vivemos. O cérebro e o tempo que temos são os mesmos de uma pessoa que viveu há 4 mil anos.
Podemos mensurar o tempo?
Mario Persona - Não mais do que o relógio faz, pois é extremamente difícil, se não impossível, mensurar o tempo em termos de utilização. Posso me deitar à sombra de uma árvore e duas horas depois ter mais um capítulo para um livro ou, se for um Newton, a teoria da gravitação universal. Não fiz nada ali, apenas pensei e montei todo o texto ou a teoria em minha mente antes de passar meia hora digitando para colocar tudo no papel. Para um observador desatento eu fiquei duas horas ocioso e trabalhei apenas meia hora.
Do mesmo modo, como mensurar o tempo de um corretor de imóveis? Você o encontra vezes seguidas durante o dia tomando cafezinho com alguém no bar da esquina e poderia se equivocar achando que é só na hora em que ele está mostrando um imóvel a um interessado ou cuidando dos detalhes de um contrato que está trabalhando. Sem aqueles cafezinhos ele não fica sabendo quem quer vender e quem quer comprar.
A dificuldade está em associarmos a utilização do tempo com alguma atividade. O repouso, então, nos faz sentir culpados por não estarmos produzindo algo, embora nas fazendas e nas indústrias até a terra e as máquinas são colocadas para descansar durante alguns períodos para manutenção. Um agricultor que gastou horas plantando, cuidando e depois gradeando para enterrar no solo toda uma lavoura de leguminosas, como forma de fixar o nitrogênio de suas folhas e raízes no solo, poderia parecer um insensato para quem não entende do assunto.
Mensurar o tempo é definir prioridades, entre elas a de não fazer coisa alguma com o tempo. Afinal, o trabalho sempre teve um segundo objetivo, além do sustento de nossas necessidades: permitir que paremos de trabalhar. Nenhuma cultura seria a mesma sem atividades contemplativas ou de criação, coisas que religiosos e artistas praticam e poderiam ser consideradas como perda de tempo por alguém que só considere tempo útil aquele gasto com alguma atividade produtiva de bens tangíveis.
Qual é o melhor modo de utilizar o dia de modo útil e saudável?
Mario Persona - O melhor é definir prioridades por valor, e entenda que valor não é exatamente a idéia de algo traduzido em dinheiro ou em coisas tangíveis. Ficar mais tempo com um pai ou uma avó que amanhã podem não estar aqui é utilizar o tempo de modo útil e saudável.
Se estivermos pensando em atividades que usam diferentes áreas de nosso corpo, um bom começo é analisar o dia e como nosso organismo funciona. Eu sou ótimo para trabalhar de manhã ou mesmo nas últimas horas da noite ou madrugada, depois de ter dormido umas 5 horas. Mas não me peça para fazer coisas que exijam raciocínio ou esforço mental depois das seis da tarde, porque meu cérebro se recusa a trabalhar. Se precisar, vou acordar às 3 da madrugada, revigorado, mas não vou conseguir pensar direito às 8 da noite. Quando você detecta esses períodos de maior ou menor rendimento mental, pode distribuir suas atividades para deixar o que exige maior concentração em determinados horários e atividades mecânicas, repetitivas ou de repouso para os períodos adequados.
Qual é a importância do tempo de lazer?
Mario Persona - É importantíssimo ter um tempo para recarregar as baterias, mas isso também depende de pessoa para pessoa. É por isso que não acredito em fórmulas prontas de administração do tempo que possam ser aplicadas para todos. Para começar, o termo administração do tempo já está equivocado, pois jamais conseguimos administrar um recurso finito e que se escoa independente de administrarmos ou não, como acontece com o tempo. O que administramos são as atividades que fazemos dentro dele, mas o tempo irá embora de qualquer jeito, administrado ou não, e ele sempre será igual para todas as pessoas, pelo menos na contagem de minutos, horas e dias. No total, isso sim, ele difere bastante.
Por isso é importante também entender que, na vida, é preciso primeiro garantir as coisas que não dependerão do tempo, e estou falando aqui das questões eternas, para colocar em segunda, terceira e outras tantas colocações de prioridade aquelas que são temporais.
Há também a necessidade de se equilibrar o uso do tempo entre o que é destinado ao nosso sustento, ou seja, o trabalho propriamente dito, e aquele destinado a dar significado à nossa vida. É aí que está o verdadeiro lazer, pois recarrega as baterias. Para alguns ficar na praça de papo para o ar é lazer, para outros é pular de pára-quedas. Vai depender de cada pessoa. O que entendo que pode ser considerado lazer é medido pelo resultado: trouxe satisfação, recarga das baterias, significado para a vida? Então é lazer.
Entrevista concedida à Revista Fecontesp em 13/07/2007 para uma matéria na Edição de Julho de 2007 sobre administração do tempo.
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